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Mapas colaborativos:
                            Subversão de vigilância e poder
                                     Paulo Victor Sousa1



Resumo

Ao ganhar relevância na atual estrutura da cibercultura, os mapas colaborativos tem se
mostrado como importante alvo de pesquisa nos estudos sobre mídia locativa.
Contrapondo-se e superando os formatos tradicionais, os mapas vigentes na chamada web
2.0 subvertem a lógica de vigilância e poder, na medida em que estão abertos à
visualização e edição por parte do conhecimento comum. Com a capacidade de terem
vinculadas a si camadas de informação, tais mapas se tornam instrumentos de discurso do
cotidiano, podendo funcionar para a crítica e contestação situacional por parte da
população. Tomando como objeto de investigação o mapa colaborativo #buracosfortaleza,
este artigo visa a discorrer sobre os quesitos levantados. Dessa forma, uma questão central
se coloca: como os habitantes da capital cearense podem se apropriar da ferramenta para
expressar a própria insatisfação?

Palavras-chave: mapeamento colaborativo, anotação espacial, mídias locativas.




1
 Aluno de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas da
Universidade Federal da Bahia – UFBA. E-mail: pvbsousa@gmail.com
Introdução
     Como parte dos estudos atuais de mídia locativa (Nova, 2004), os mapas
colaborativos têm se mostrado como um importante alvo de investigação para além de
considerações geográficas. Escapando do saber hermético e popularizando-se a partir de
ferramentas simplificadas como o Google Maps – um dos serviços mais populares da área
– o mapeamento colaborativo, realizado a partir do conhecimento comum e participação
aberta, traz à tona relevantes rastros da sociedade como um todo: críticas, medos, anseios,
desejos, dentre outros indicadores por ora ignorados ou abafados, ganham coordenadas e
visibilidade num plano cartográfico, carregando consigo camadas de informação e
conhecimento inerentes àqueles que mapeiam.
     Entendemos aqui mapa colaborativo como aquele constituído a partir de anotações
espaciais sobre registros territoriais já concebidos (Nova, 2004), realizadas em rede e em
contraponto às formas cartográficas tradicionais (Paraskevopoulou, 2008). Como
funcionalidade característica, tais mapas não se destinam exclusivamente a trazer
representações territoriais, mas situar as sinalizações sociais: eles “no tienen como única
intención representar el entorno urbano, sino que también quieren reafirmar la vida urbana
e fomentar las redes sociales” (Paraskevopoulou, 2008, p. 10).
     Tendo em vista o papel relevante dos mapas colaborativos, este artigo traz uma
análise do mapa #buracosfortaleza, o qual aponta problemas na malha viária da capital
cearense. Compreendido como uma ferramenta resultante de reapropriações, discute-se
aqui sobre o potencial de cidadania que tal instrumento confere aos moradores da cidade.

     Situando o #buracosfortaleza
     Assim como boa parte das capitais brasileiras, Fortaleza possui vários dos problemas
típicos de uma metrópole: altos níveis de poluição e criminalidade, empecilhos vários na
habitação, prostituição e exploração sexual, menores de idade abandonados, dentre outros.
O trânsito de veículos, claro, não poderia escapar ao conjunto de dificuldades: a cidade está
superlotada de carros e motos, o transporte público é precário e já não há tanto espaço para
novos logradouros ou alargamento daqueles já bastante congestionados. A situação nos
leva rapidamente a uma situação até previsível: ao intenso tráfego de veículos somam-se
chuvas e certo descaso por parte da prefeitura e obtemos como resultado um expressivo
quadro de buracos na malha viária da capital do Ceará.
Poderíamos trazer à tona dados oficiais dos órgãos competentes – que provavelmente
se esforçariam para mostrar que o asfalto não está tão ruim ou que até já esteve pior na
administração de outro partido. Poderíamos, também, fazer o levantamento de reportagens
– corroborando ou refutando a palavra da prefeitura – que mostrassem a verdadeira
condição (seja ela qual for) das ruas e avenidas. Entretanto, no atual contexto de produção
e colaboração de conteúdo oferecido pela estrutura descentralizada da cibercultura, poucos
exemplos parecem expressar tão bem a indignação popular quanto o #buracosfortaleza.
      Criado em abril de 2009 a partir da iniciativa popular e divulgado por meio de blogs
pessoais e perfis no Twitter2, #buracosfortaleza (Fig. 1) é um mapa colaborativo cujo
intuito é apontar, sobre um plano cartográfico online, os problemas da malha viária
fortalezense. Descentralizado, o mapa não existe em uma página da web específica3: está
espraiado dentro do Google Maps, plataforma onde está baseado, e todas as falhas são
reunidas (por questões de organização e facilidade de busca) sob a tag que dá nome ao
mesmo (identificada pelo caractere #). A visualização, criação e edição dos defeitos na
malha viária são livres a todos. E é a partir de suas características de abertura, cooperação e
utilização popular que este artigo busca tratar os mapas colaborativos como ferramentas de
democracia e emancipação.




                           Figura 1 - Visualização parcial do #buracosfortaleza.


2
  Maiores detalhes sobre a criação e divulgação podem ser encontradas no blog pessoal de um dos criadores
do mapa: Disponível em< http://liberdadedigital.com.br/2009/05/04/colaboracao-blogueiros-mapeam-
trechos-com-buracos-em-fortaleza/>. Acesso em 20/07/2010.
3
 Os criadores indicam o endereço
<http://maps.google.com/maps/ms?ie=UTF8&hl=en&msa=0&msid=114434432094326506356.000468b42e
61d4606e18c&z=12 (ou <http://bit.ly/FHG05>), mas também é possível fazer a busca no Google Maps a
partir da tag #buracosfortaleza. Acesso em 26/09/2009.
Problematizando os mapas colaborativos
        O mapa em questão é um dos diversos exemplos encontrados na web que atestam a
ocorrência de novas práticas cartográficas: o mapeamento colaborativo. Indo de encontro à
cartografia clássica, os mapas colaborativos são expoentes de outras formas de olhar sobre
os territórios. Tradicionalmente, o ato de mapear servia a uma racionalização do espaço,
segundo uma ordem institucional, no intuito de demarcar fronteiras entre países ou cidades
e ainda ter uma supervisão (supervidere) a propósito de propriedades particulares e das
populações (Bruno, 2010), tendo em vista as premissas básicas para a formação da
modernidade: empirismo, quantificação, divisão do tempo e conquista da natureza (Lemos,
2002).
        A partir do século XVIII e no decorrer do século XIX, o desenho do território urbano
visa a delinear áreas a partir de parâmetros sociais e econômicos buscando, por exemplo,
estabelecer relações causais entre os dados obtidos. Além disso, a criação de mapas só era
possível a partir de conhecimentos herméticos: “a cartografia-cadastro é uma tecnologia
privilegiada das diversas formas de governo e constituição dos Estados, regulando seus
processos internos” (Bruno, 2010, p. 160).
        Desde o surgimento dos primeiros modelos, a representação espacial em duas
dimensões sempre apresentou distorções inerentes à prática cartográfica. Além das
vicissitudes técnicas, é necessário ressaltar o caráter subjetivo de qualquer mapa: nenhum é
objetivo ou neutro, carregando consigo ideias arraigadas e convenções sobre a percepção
do mundo. Todos os mapas “distorsionan la distancia, la escala, la forma, el área, o la
dirección para presentar una imagen que satisfaga las necesidades de los fabricantes o los
usuarios” (Paraskevopoulou, 2008, p. 7).
        Com o advento dos mapas abertos à participação, o registro exclusivo do espaço, de
certa forma, esquiva-se de órgãos oficiais, empresas e profissionais especializados:
encontrando facilidade nas interfaces amigáveis e em ferramentas de anotação espacial
simplificadas, qualquer indivíduo leigo, possuindo um mínimo de conhecimento acerca da
internet e do próprio serviço de mapeamento em uso, pode (sob determinadas
circunstâncias e respeitando os limites técnicos do mecanismo) “reconstruir” os mapas de
seu país, sua cidade ou de seu bairro. Dessa forma, o saber cartográfico “passa ao domínio
comum e ordinário, seguindo a velocidade e diversidade do ritmo participativo da web 2.0,
visíveis nos inúmeros tipos de mapas que surgem a cada dia na Internet” (Bruno, 2010, p.
162).
Os mapas colaborativos, a partir de sua escrita aberta, podem se caracterizar como
mapas de anexação (Mitew, 2008). Indo além do ato de descobrir a territorialidade,
documentá-la e lançar sobre ela um panorama generalista, a construção colaborativa
adiciona camadas de informação sobre as bases topográficas dadas. O mapa dos buracos na
malha viária de Fortaleza não é apenas uma extensão ou representação da geografia local,
mas uma ferramenta de inscrição sobre ela (Fig. 2). Nesse sentido, é interessante notar
como a anotação espacial ajuda a atualizar as informações sobre o espaço: a exibição dos
territórios no Google Maps não se dá em tempo real (mesmo na visualização por satélite).
O que pode parecer – e mesmo ser dito – como em perfeito estado acaba negado pelas
intervenções populares. Ou seja, por quem realmente lida com os problemas da urbe.




  Figura 2 - Além do apontamento sobre o plano da cidade, é possível realizar anotações sobre o problema
                específico. O mapa, assim, vai ganhando diversas camadas de informações.

      Por esse viés, o mapa colaborativo é tido como uma interface de conhecimento,
experiência, memória e potencialidade (Mitew, 2008): conhecimento e experiência por
lidar com a inteligência coletiva (Lévy, 2000) para sua própria constituição –
#buracosfortaleza existe para e pelos cidadãos; memória por ser um registro da cidade –
mesmo que venham a serem consertados, os problemas viários não deixarão de existir no
histórico do mapa, mesmo que apareçam como solucionados; e potencialidade por
apresentarem em si a possibilidade de mudanças a partir da observação e apontamento dos
problemas.
      É preciso situar o mapeamento livre à participação em meio às estruturas técnicas
contemporâneas. November et al. (s/d) consideram que a experiência cartográfica atual se
traduz como um acesso a um banco de dados: mais que observar rotas ou limites
territoriais, adentra-se numa interface e recupera-se a informação desejada dentre as
diversas camadas disponíveis. Tal manuseio só é possível diante do computador como um
divisor de águas: a partir deste, os mapas ganham funções diversificadas, como
visualização de ruas, busca por dados históricos, rastreamento de pessoas e objetos, dentre
outras (November et al, s/d).
     É necessário ressaltar que quando falamos de mapas colaborativos, não tratamos de
redesenhos das demarcações já concebidas – embora haja possibilidades nesse sentido, não
tratadas neste artigo. No caso do #buracosfortaleza, o que está aberto aos usuários é a
possibilidade de criar determinadas informações (ou buscá-las posteriormente) sobre os
territórios por onde circula ou pelos quais deseja transitar. Mapear, dessa maneira, deixa de
ser o mero esboço de fronteiras ou a representação geográfica do espaço e passa a ter um
significado estabelecido por aqueles que mapeiam, demarcam, referenciam. Ou seja, o
sentido passa a ser fornecido pelos próprios cidadãos. A informação “oficial” ainda existe,
vale observar, porém, para além dela, estão disponíveis os dados “não-oficiais” daqueles
que realmente vivem os contratempos da urbe.

     Subvertendo a vigilância
     Fernanda Bruno propõe o termo vigilância distribuída para definir a característica de
observação generalizada na sociedade atual, “de modo descentralizado, não hierárquico e
com uma diversidade de propósitos, funções e significações nos mais diferentes setores”
(Bruno, 2010, p. 156). O ato de vigiar – usado pela autora como sinônimo de
monitoramento, controle, supervisão, sem grandes distinções – faz parte da nossa
sociedade contemporânea, atuando como um dos eixos centrais da estrutura de
megacorporações, as quais, no intuito de lidar com o futuro de suas economias, precisam
ter em mãos um volume imenso de dados de usuários e clientes em geral. Ao tratar de
empresas como Google e Yahoo, Bruno aponta: “o monitoramento das informações e ações
dos indivíduos no ciberespaço é intrínseco a qualquer motor de busca, fazendo parte do seu
funcionamento e eficiência” (Bruno, 2010, p. 158).
     Entretanto, o sujeito na contemporaneidade, subjugado à vigilância distribuída, não
apenas é vigiado, mas também exerce, ele mesmo, um olhar vigilante. Entendendo que o
poder não se dá necessariamente como um vetor de cima abaixo a partir de instâncias
oficiais, encontrando-se permeado em toda a sociedade (Foucault, 1997), é possível
encarar aqui uma possibilidade contracartografia (Mittew, 2008): os mesmos sistemas que
funcionam para o monitoramento generalizado servem também como palco de cidadania,
posta lado a lado a ações participativas. Como mostra Bruno, “em alguns casos, a produção
de conteúdo está associado ao posicionamento do produtor-usuário como vigilante”
(Bruno, 2010, p. 159).
      Na conjuntura de mapeamento colaborativo encontramos, portanto, uma espécie de
inversão nos papéis, ou antes um acréscimo de funções: convocado a participar desse
contexto de vigilância distribuída, contribuindo com um algum dado que possa fornecer,
cada pessoa passa a fazer parte de um grande sistema de observação generalizada: “A
vigilância participativa é ao mesmo tempo para todos, por todos e para cada um” (Bruno,
2010, p. 165).
      Dessa maneira, o poder não parte simplesmente numa imposição de cima abaixo,
estando, de fato, permeado na sociedade e nela se exercendo sob formas de saber.
Onipresente, não apenas está em todos os lugares, mas origina-se de todos os lados,
atuando sobre o corpo social e por ele mesmo sendo alimentado. Entretanto, uma vez nas
mãos de cidadãos comuns, poderá servir como instrumento de crítica e empoderamento.
      Análogo ao pensamento de Bruno, Jenkins (2008) utiliza o termo cidadão monitor
para caracterizar o indivíduo atento, vigilante, que não atua ativamente no cotidiano mas
está sempre em estado de alerta. O mapeamento dos problemas viários de Fortaleza, ao
partir da própria população, é exemplo da reinvenção de ferramentas de terceiros. A partir
de reapropriações – usa-se o aparato com um fim diferente daquele para o qual foi
projetado – o cidadão comum monitora seu ambiente, transformando dispositivos de
supervisão e controle em ferramentas de cidadania. De passiva consumidora de
informação, a sociedade, antes espectadora, adquire um papel de usuária-produtora e passa
a ter em mãos possibilidades próprias para falar de si e de seu contexto.
      Apontar num mapa os problemas de uma cidade – de qualquer que seja a natureza –
também se configura como uma forma contundente de crítica às entidades de governo na
medida em que tais problemas saem de uma esfera particular – funcionários e instâncias
administrativas – e passam ao conhecimento público, ganhando notoriedade por sua
documentação e divulgação.
      Conclusão
      Buscamos apontar neste artigo as características que fazem do mapa colaborativo
como uma ferramenta de participação democrática e cidadania. Utilizamos como estudo de
caso o #buracosfortaleza, criado pela população e divulgado a partir de ferramentas livres
na internet. A argumentação geral se dá num sentido de subversão de poder: se antes os
mapas tinham propósitos de controle, monitoramento, agora se encontram reapropriados
pela sociedade, ganhando novas funções contestação e crítica.
      O mapa em questão é apenas um dos diversos exemplos encontrados na web. Com
uma lógica similar ao #buracosfortaleza e também dignos de nota, podemos citar
WikiCrimes4, que aponta áreas de ocorrência criminal, FixMyStreet5, onde usuários
assinalam problemas de seus bairros (na Grã-Bretanha), ou o recente Eleitor 20106, no qual
é possível denunciar e reportar no mapa do Brasil problemas que envolvam a campanha
eleitoral deste ano. Cada um desses serviços, a seu próprio modo, auxilia no processo de
empoderamento do cidadão, servindo de instrumentos discursivos – mesmo que bastante
localizado – àqueles tem pouca voz diante de contextos massivos de comunicação.
      Em cada um destes casos, é necessário frisar a capacidade de anexar informações aos
planos cartográficos. Para além de buscarem uma representação fidedigna do território,
aqueles que produzem e mantêm os mapas colaborativos parecem se preocupar bem mais
com a sobreposição de informações que com a exatidão dos dados. Ou seja, não interessa
se há um bueiro aberto precisamente aqui ou alguns metros adiante: realizar anotações
espaciais, neste caso, não trata de alocar com rigor pontos específicos no mapa, mas trazer
à tona as relações sociais forjadas no dia-a-dia – sejam problemas na malha viária,
propagandas eleitorais irregulares ou assaltos realizados na esquina de casa. O que conta,
assim, é que o cotidiano encontra para si uma forma de ser narrado e localizado.




4
  Disponível em <http://www.wikicrimes.org>.
5
  Disponível em <http://www.fixmystreet.com>.
6
  Disponível em <http://eleitor2010.com>.
Referências

Bruno, F. Mapas de crime: vigilância distribuída e participação na cultura
contemporânea. In Bruno, F. et al. Vigilância e visibilidade: Espaço, Tecnologia e
Identificação. Porto Alegre: Sulina, 2010.

Foucault, M. História da Sexualidade I: A vontade de saber. 12ª ed. Rio de Janeiro:
Graal, 1997.

Lemos, A. Cibercultura, tecnologia e vida social na cultura contemporânea. Porto
Alegre: Sulina, 2002.

Lévy, P. Cibercultura. 2ª ed. São Paulo: Ed. 34, 2000.

Jenkins, H. Cultura da Convergência. São Paulo, Aleph, 2008.

Mitew, T. Repopulating the Map: Why Subjects and Things are Never Alone. In Fibre
Culture Journal, issue 13, 2008. Disponível em
<http://journal.fibreculture.org/issue13/issue13_mitew.html>.

Nova, N. Locative Media: a literature review. In Craft Research Report_2, fevereiro
de 2004. Disponível em <http://test.waag.org/mobstuff/docs/CRAFT_report2.pdf>.

November, V. et al. The Territory is the Map – Space in the Age of Digital
Navigation. Submitted to Environment and Planning. Versão final: “Entering a Risky
Territory: Space in the Age of Digital Navigation”. Disponível em
<http://www.bruno-latour.fr/articles/article/117-MAP-FINAL.pdf>. S/D.

Paraskevoupoulou, O. et al. Práticas artisticas basadas en la localización que
desafían la noción tradicional de cartografia. In Artnoes, nº 8, dezembro de 2008.
Disponível em <http://artnodes.uoc.edu>.
Currículo do autor

Paulo Victor Sousa é aluno de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em
Comunicação e Cultura Contemporâneas da Universidade Federal da Bahia – UFBA,
onde participa do Grupo de Pesquisa em Cibercidade. É graduado em Comunicação
Social pela Universidade de Fortaleza e possui experiência profissional com design
gráfico e desenvolvimento web.

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Mapas colaborativos: subversão de vigilância e poder
 

Mapas colaborativos: ferramentas de democracia e emancipação

  • 1. Mapas colaborativos: Subversão de vigilância e poder Paulo Victor Sousa1 Resumo Ao ganhar relevância na atual estrutura da cibercultura, os mapas colaborativos tem se mostrado como importante alvo de pesquisa nos estudos sobre mídia locativa. Contrapondo-se e superando os formatos tradicionais, os mapas vigentes na chamada web 2.0 subvertem a lógica de vigilância e poder, na medida em que estão abertos à visualização e edição por parte do conhecimento comum. Com a capacidade de terem vinculadas a si camadas de informação, tais mapas se tornam instrumentos de discurso do cotidiano, podendo funcionar para a crítica e contestação situacional por parte da população. Tomando como objeto de investigação o mapa colaborativo #buracosfortaleza, este artigo visa a discorrer sobre os quesitos levantados. Dessa forma, uma questão central se coloca: como os habitantes da capital cearense podem se apropriar da ferramenta para expressar a própria insatisfação? Palavras-chave: mapeamento colaborativo, anotação espacial, mídias locativas. 1 Aluno de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas da Universidade Federal da Bahia – UFBA. E-mail: pvbsousa@gmail.com
  • 2. Introdução Como parte dos estudos atuais de mídia locativa (Nova, 2004), os mapas colaborativos têm se mostrado como um importante alvo de investigação para além de considerações geográficas. Escapando do saber hermético e popularizando-se a partir de ferramentas simplificadas como o Google Maps – um dos serviços mais populares da área – o mapeamento colaborativo, realizado a partir do conhecimento comum e participação aberta, traz à tona relevantes rastros da sociedade como um todo: críticas, medos, anseios, desejos, dentre outros indicadores por ora ignorados ou abafados, ganham coordenadas e visibilidade num plano cartográfico, carregando consigo camadas de informação e conhecimento inerentes àqueles que mapeiam. Entendemos aqui mapa colaborativo como aquele constituído a partir de anotações espaciais sobre registros territoriais já concebidos (Nova, 2004), realizadas em rede e em contraponto às formas cartográficas tradicionais (Paraskevopoulou, 2008). Como funcionalidade característica, tais mapas não se destinam exclusivamente a trazer representações territoriais, mas situar as sinalizações sociais: eles “no tienen como única intención representar el entorno urbano, sino que también quieren reafirmar la vida urbana e fomentar las redes sociales” (Paraskevopoulou, 2008, p. 10). Tendo em vista o papel relevante dos mapas colaborativos, este artigo traz uma análise do mapa #buracosfortaleza, o qual aponta problemas na malha viária da capital cearense. Compreendido como uma ferramenta resultante de reapropriações, discute-se aqui sobre o potencial de cidadania que tal instrumento confere aos moradores da cidade. Situando o #buracosfortaleza Assim como boa parte das capitais brasileiras, Fortaleza possui vários dos problemas típicos de uma metrópole: altos níveis de poluição e criminalidade, empecilhos vários na habitação, prostituição e exploração sexual, menores de idade abandonados, dentre outros. O trânsito de veículos, claro, não poderia escapar ao conjunto de dificuldades: a cidade está superlotada de carros e motos, o transporte público é precário e já não há tanto espaço para novos logradouros ou alargamento daqueles já bastante congestionados. A situação nos leva rapidamente a uma situação até previsível: ao intenso tráfego de veículos somam-se chuvas e certo descaso por parte da prefeitura e obtemos como resultado um expressivo quadro de buracos na malha viária da capital do Ceará.
  • 3. Poderíamos trazer à tona dados oficiais dos órgãos competentes – que provavelmente se esforçariam para mostrar que o asfalto não está tão ruim ou que até já esteve pior na administração de outro partido. Poderíamos, também, fazer o levantamento de reportagens – corroborando ou refutando a palavra da prefeitura – que mostrassem a verdadeira condição (seja ela qual for) das ruas e avenidas. Entretanto, no atual contexto de produção e colaboração de conteúdo oferecido pela estrutura descentralizada da cibercultura, poucos exemplos parecem expressar tão bem a indignação popular quanto o #buracosfortaleza. Criado em abril de 2009 a partir da iniciativa popular e divulgado por meio de blogs pessoais e perfis no Twitter2, #buracosfortaleza (Fig. 1) é um mapa colaborativo cujo intuito é apontar, sobre um plano cartográfico online, os problemas da malha viária fortalezense. Descentralizado, o mapa não existe em uma página da web específica3: está espraiado dentro do Google Maps, plataforma onde está baseado, e todas as falhas são reunidas (por questões de organização e facilidade de busca) sob a tag que dá nome ao mesmo (identificada pelo caractere #). A visualização, criação e edição dos defeitos na malha viária são livres a todos. E é a partir de suas características de abertura, cooperação e utilização popular que este artigo busca tratar os mapas colaborativos como ferramentas de democracia e emancipação. Figura 1 - Visualização parcial do #buracosfortaleza. 2 Maiores detalhes sobre a criação e divulgação podem ser encontradas no blog pessoal de um dos criadores do mapa: Disponível em< http://liberdadedigital.com.br/2009/05/04/colaboracao-blogueiros-mapeam- trechos-com-buracos-em-fortaleza/>. Acesso em 20/07/2010. 3 Os criadores indicam o endereço <http://maps.google.com/maps/ms?ie=UTF8&hl=en&msa=0&msid=114434432094326506356.000468b42e 61d4606e18c&z=12 (ou <http://bit.ly/FHG05>), mas também é possível fazer a busca no Google Maps a partir da tag #buracosfortaleza. Acesso em 26/09/2009.
  • 4. Problematizando os mapas colaborativos O mapa em questão é um dos diversos exemplos encontrados na web que atestam a ocorrência de novas práticas cartográficas: o mapeamento colaborativo. Indo de encontro à cartografia clássica, os mapas colaborativos são expoentes de outras formas de olhar sobre os territórios. Tradicionalmente, o ato de mapear servia a uma racionalização do espaço, segundo uma ordem institucional, no intuito de demarcar fronteiras entre países ou cidades e ainda ter uma supervisão (supervidere) a propósito de propriedades particulares e das populações (Bruno, 2010), tendo em vista as premissas básicas para a formação da modernidade: empirismo, quantificação, divisão do tempo e conquista da natureza (Lemos, 2002). A partir do século XVIII e no decorrer do século XIX, o desenho do território urbano visa a delinear áreas a partir de parâmetros sociais e econômicos buscando, por exemplo, estabelecer relações causais entre os dados obtidos. Além disso, a criação de mapas só era possível a partir de conhecimentos herméticos: “a cartografia-cadastro é uma tecnologia privilegiada das diversas formas de governo e constituição dos Estados, regulando seus processos internos” (Bruno, 2010, p. 160). Desde o surgimento dos primeiros modelos, a representação espacial em duas dimensões sempre apresentou distorções inerentes à prática cartográfica. Além das vicissitudes técnicas, é necessário ressaltar o caráter subjetivo de qualquer mapa: nenhum é objetivo ou neutro, carregando consigo ideias arraigadas e convenções sobre a percepção do mundo. Todos os mapas “distorsionan la distancia, la escala, la forma, el área, o la dirección para presentar una imagen que satisfaga las necesidades de los fabricantes o los usuarios” (Paraskevopoulou, 2008, p. 7). Com o advento dos mapas abertos à participação, o registro exclusivo do espaço, de certa forma, esquiva-se de órgãos oficiais, empresas e profissionais especializados: encontrando facilidade nas interfaces amigáveis e em ferramentas de anotação espacial simplificadas, qualquer indivíduo leigo, possuindo um mínimo de conhecimento acerca da internet e do próprio serviço de mapeamento em uso, pode (sob determinadas circunstâncias e respeitando os limites técnicos do mecanismo) “reconstruir” os mapas de seu país, sua cidade ou de seu bairro. Dessa forma, o saber cartográfico “passa ao domínio comum e ordinário, seguindo a velocidade e diversidade do ritmo participativo da web 2.0, visíveis nos inúmeros tipos de mapas que surgem a cada dia na Internet” (Bruno, 2010, p. 162).
  • 5. Os mapas colaborativos, a partir de sua escrita aberta, podem se caracterizar como mapas de anexação (Mitew, 2008). Indo além do ato de descobrir a territorialidade, documentá-la e lançar sobre ela um panorama generalista, a construção colaborativa adiciona camadas de informação sobre as bases topográficas dadas. O mapa dos buracos na malha viária de Fortaleza não é apenas uma extensão ou representação da geografia local, mas uma ferramenta de inscrição sobre ela (Fig. 2). Nesse sentido, é interessante notar como a anotação espacial ajuda a atualizar as informações sobre o espaço: a exibição dos territórios no Google Maps não se dá em tempo real (mesmo na visualização por satélite). O que pode parecer – e mesmo ser dito – como em perfeito estado acaba negado pelas intervenções populares. Ou seja, por quem realmente lida com os problemas da urbe. Figura 2 - Além do apontamento sobre o plano da cidade, é possível realizar anotações sobre o problema específico. O mapa, assim, vai ganhando diversas camadas de informações. Por esse viés, o mapa colaborativo é tido como uma interface de conhecimento, experiência, memória e potencialidade (Mitew, 2008): conhecimento e experiência por lidar com a inteligência coletiva (Lévy, 2000) para sua própria constituição – #buracosfortaleza existe para e pelos cidadãos; memória por ser um registro da cidade – mesmo que venham a serem consertados, os problemas viários não deixarão de existir no histórico do mapa, mesmo que apareçam como solucionados; e potencialidade por apresentarem em si a possibilidade de mudanças a partir da observação e apontamento dos problemas. É preciso situar o mapeamento livre à participação em meio às estruturas técnicas contemporâneas. November et al. (s/d) consideram que a experiência cartográfica atual se traduz como um acesso a um banco de dados: mais que observar rotas ou limites territoriais, adentra-se numa interface e recupera-se a informação desejada dentre as diversas camadas disponíveis. Tal manuseio só é possível diante do computador como um
  • 6. divisor de águas: a partir deste, os mapas ganham funções diversificadas, como visualização de ruas, busca por dados históricos, rastreamento de pessoas e objetos, dentre outras (November et al, s/d). É necessário ressaltar que quando falamos de mapas colaborativos, não tratamos de redesenhos das demarcações já concebidas – embora haja possibilidades nesse sentido, não tratadas neste artigo. No caso do #buracosfortaleza, o que está aberto aos usuários é a possibilidade de criar determinadas informações (ou buscá-las posteriormente) sobre os territórios por onde circula ou pelos quais deseja transitar. Mapear, dessa maneira, deixa de ser o mero esboço de fronteiras ou a representação geográfica do espaço e passa a ter um significado estabelecido por aqueles que mapeiam, demarcam, referenciam. Ou seja, o sentido passa a ser fornecido pelos próprios cidadãos. A informação “oficial” ainda existe, vale observar, porém, para além dela, estão disponíveis os dados “não-oficiais” daqueles que realmente vivem os contratempos da urbe. Subvertendo a vigilância Fernanda Bruno propõe o termo vigilância distribuída para definir a característica de observação generalizada na sociedade atual, “de modo descentralizado, não hierárquico e com uma diversidade de propósitos, funções e significações nos mais diferentes setores” (Bruno, 2010, p. 156). O ato de vigiar – usado pela autora como sinônimo de monitoramento, controle, supervisão, sem grandes distinções – faz parte da nossa sociedade contemporânea, atuando como um dos eixos centrais da estrutura de megacorporações, as quais, no intuito de lidar com o futuro de suas economias, precisam ter em mãos um volume imenso de dados de usuários e clientes em geral. Ao tratar de empresas como Google e Yahoo, Bruno aponta: “o monitoramento das informações e ações dos indivíduos no ciberespaço é intrínseco a qualquer motor de busca, fazendo parte do seu funcionamento e eficiência” (Bruno, 2010, p. 158). Entretanto, o sujeito na contemporaneidade, subjugado à vigilância distribuída, não apenas é vigiado, mas também exerce, ele mesmo, um olhar vigilante. Entendendo que o poder não se dá necessariamente como um vetor de cima abaixo a partir de instâncias oficiais, encontrando-se permeado em toda a sociedade (Foucault, 1997), é possível encarar aqui uma possibilidade contracartografia (Mittew, 2008): os mesmos sistemas que funcionam para o monitoramento generalizado servem também como palco de cidadania, posta lado a lado a ações participativas. Como mostra Bruno, “em alguns casos, a produção
  • 7. de conteúdo está associado ao posicionamento do produtor-usuário como vigilante” (Bruno, 2010, p. 159). Na conjuntura de mapeamento colaborativo encontramos, portanto, uma espécie de inversão nos papéis, ou antes um acréscimo de funções: convocado a participar desse contexto de vigilância distribuída, contribuindo com um algum dado que possa fornecer, cada pessoa passa a fazer parte de um grande sistema de observação generalizada: “A vigilância participativa é ao mesmo tempo para todos, por todos e para cada um” (Bruno, 2010, p. 165). Dessa maneira, o poder não parte simplesmente numa imposição de cima abaixo, estando, de fato, permeado na sociedade e nela se exercendo sob formas de saber. Onipresente, não apenas está em todos os lugares, mas origina-se de todos os lados, atuando sobre o corpo social e por ele mesmo sendo alimentado. Entretanto, uma vez nas mãos de cidadãos comuns, poderá servir como instrumento de crítica e empoderamento. Análogo ao pensamento de Bruno, Jenkins (2008) utiliza o termo cidadão monitor para caracterizar o indivíduo atento, vigilante, que não atua ativamente no cotidiano mas está sempre em estado de alerta. O mapeamento dos problemas viários de Fortaleza, ao partir da própria população, é exemplo da reinvenção de ferramentas de terceiros. A partir de reapropriações – usa-se o aparato com um fim diferente daquele para o qual foi projetado – o cidadão comum monitora seu ambiente, transformando dispositivos de supervisão e controle em ferramentas de cidadania. De passiva consumidora de informação, a sociedade, antes espectadora, adquire um papel de usuária-produtora e passa a ter em mãos possibilidades próprias para falar de si e de seu contexto. Apontar num mapa os problemas de uma cidade – de qualquer que seja a natureza – também se configura como uma forma contundente de crítica às entidades de governo na medida em que tais problemas saem de uma esfera particular – funcionários e instâncias administrativas – e passam ao conhecimento público, ganhando notoriedade por sua documentação e divulgação. Conclusão Buscamos apontar neste artigo as características que fazem do mapa colaborativo como uma ferramenta de participação democrática e cidadania. Utilizamos como estudo de caso o #buracosfortaleza, criado pela população e divulgado a partir de ferramentas livres na internet. A argumentação geral se dá num sentido de subversão de poder: se antes os
  • 8. mapas tinham propósitos de controle, monitoramento, agora se encontram reapropriados pela sociedade, ganhando novas funções contestação e crítica. O mapa em questão é apenas um dos diversos exemplos encontrados na web. Com uma lógica similar ao #buracosfortaleza e também dignos de nota, podemos citar WikiCrimes4, que aponta áreas de ocorrência criminal, FixMyStreet5, onde usuários assinalam problemas de seus bairros (na Grã-Bretanha), ou o recente Eleitor 20106, no qual é possível denunciar e reportar no mapa do Brasil problemas que envolvam a campanha eleitoral deste ano. Cada um desses serviços, a seu próprio modo, auxilia no processo de empoderamento do cidadão, servindo de instrumentos discursivos – mesmo que bastante localizado – àqueles tem pouca voz diante de contextos massivos de comunicação. Em cada um destes casos, é necessário frisar a capacidade de anexar informações aos planos cartográficos. Para além de buscarem uma representação fidedigna do território, aqueles que produzem e mantêm os mapas colaborativos parecem se preocupar bem mais com a sobreposição de informações que com a exatidão dos dados. Ou seja, não interessa se há um bueiro aberto precisamente aqui ou alguns metros adiante: realizar anotações espaciais, neste caso, não trata de alocar com rigor pontos específicos no mapa, mas trazer à tona as relações sociais forjadas no dia-a-dia – sejam problemas na malha viária, propagandas eleitorais irregulares ou assaltos realizados na esquina de casa. O que conta, assim, é que o cotidiano encontra para si uma forma de ser narrado e localizado. 4 Disponível em <http://www.wikicrimes.org>. 5 Disponível em <http://www.fixmystreet.com>. 6 Disponível em <http://eleitor2010.com>.
  • 9. Referências Bruno, F. Mapas de crime: vigilância distribuída e participação na cultura contemporânea. In Bruno, F. et al. Vigilância e visibilidade: Espaço, Tecnologia e Identificação. Porto Alegre: Sulina, 2010. Foucault, M. História da Sexualidade I: A vontade de saber. 12ª ed. Rio de Janeiro: Graal, 1997. Lemos, A. Cibercultura, tecnologia e vida social na cultura contemporânea. Porto Alegre: Sulina, 2002. Lévy, P. Cibercultura. 2ª ed. São Paulo: Ed. 34, 2000. Jenkins, H. Cultura da Convergência. São Paulo, Aleph, 2008. Mitew, T. Repopulating the Map: Why Subjects and Things are Never Alone. In Fibre Culture Journal, issue 13, 2008. Disponível em <http://journal.fibreculture.org/issue13/issue13_mitew.html>. Nova, N. Locative Media: a literature review. In Craft Research Report_2, fevereiro de 2004. Disponível em <http://test.waag.org/mobstuff/docs/CRAFT_report2.pdf>. November, V. et al. The Territory is the Map – Space in the Age of Digital Navigation. Submitted to Environment and Planning. Versão final: “Entering a Risky Territory: Space in the Age of Digital Navigation”. Disponível em <http://www.bruno-latour.fr/articles/article/117-MAP-FINAL.pdf>. S/D. Paraskevoupoulou, O. et al. Práticas artisticas basadas en la localización que desafían la noción tradicional de cartografia. In Artnoes, nº 8, dezembro de 2008. Disponível em <http://artnodes.uoc.edu>.
  • 10. Currículo do autor Paulo Victor Sousa é aluno de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas da Universidade Federal da Bahia – UFBA, onde participa do Grupo de Pesquisa em Cibercidade. É graduado em Comunicação Social pela Universidade de Fortaleza e possui experiência profissional com design gráfico e desenvolvimento web.